Portugal Monovarietal (Tintos)

03:32:00

Desta vez, Tiago Simões, escreve sobre algumas das castas com mais relevância a nível nacional, sobre as suas características e como se comportam nas regiões, consideradas por muitos, as ideais para as produzir:

Somos um país de vinhos de corte (vinhos com várias castas a compor o lote final), porém tendo mais de 240 variedades portuguesas de uva ao nosso dispor podemos também dizer que acima de tudo somos um país de castas. E cada vez mais produtores optam por comunicar o seu estilo de vinho através da expressão individual de cada casta. Desta forma gostaria de apresentar aqui 5 castas nacionais (fazendo batota em uma delas) capazes de dar origem a grandes vinhos monovarietais, e nomear um vinho para cada uma delas que não só exprime as suas características varietais próprias como as características próprias da principal região para o seu cultivo. Isto recorrendo a vinhos com preços inferiores a 10€, relativamente fáceis de encontrar em lojas especializadas e assinados por grandes produtores. Que comece a viagem.

Imagem: Jornal de Noticias


Casta: Alicante Bouschet 
Principal Região: Alentejo
Descrição: Começamos a aventura com a casta nacional que não é portuguesa. Passo a explicar: o Alicante Bouschet é uma casta de origem francesa que encontrou o seu lugar ao Sol em terras alentejanas ainda no século XIV. Hoje em dia poucos contestam que é em Portugal que se produzem os melhores vinhos desta casta. Vinhos sempre cheios de cor e estruturados que apresentam aromas que podem ir das agradáveis notas achocolatadas a notas mais fora do baralho como azeitona preta e tinta da china. Os melhores exemplos conseguem envelhecer largos anos em garrafa.


Sugestão: Herdade do Rocim Alicante Bouschet. Um vinho alentejano cheio de vigor mas ao mesmo tempo bastante equilibrado. Os taninos suaves conferem-lhe uma sensação de boca aveludada. Perfeito para carnes vermelhas no forno. Produzido por quem tem marcado cada vez mais a sua presença no panorama dos vinhos de qualidade da região. 

Casta: Baga
Principal Região: Bairrada
Descrição: Capaz de produzir os melhores e piores tintos de Portugal consoante a forma como é tratada a Baga tem como terroir de eleição as colinas de solo argilo-calcário da Bairrada, influenciadas pelas brisas vindas do oceano Atlântico e por um clima relativamente fresco. Sendo a Baga uma casta de muitas expressões os vinhos a que dá origem são muitas vezes subjugados ao estilo do produtor que os elabora. A acidez elevada é uma constante mas os aromas podem ir dos simples frutos vermelhos cortados por algum vegetal a aromas mais complexos e caleidoscópicos. Uma casta de gosto adquirido capaz de dar vinhos longevos e com um potencial gastronómico imenso. Também apta à elaboração de espumantes de alta qualidade.


Sugestão: Sidónio de Sousa Reserva. Do panteão dos melhores produtores de Baga na Bairrada existe uma variada escolha de vinhos capazes de surpreender pela qualidade face ao preço a que são vendidos. Mas para mim nenhum encapsula o que deve ser um Baga tradicional de boa qualidade neste patamar monetário como este Reserva vindo de Sangalhos. Acidez no ponto num conjunto que oferece poder e elegância ao mesmo tempo. Uma boa chanfana ou comida tradicional italiana à base de carne são excelentes parceiros à mesa para este vinho. 

Casta: Castelão
Principal Região: Peninsula de Setúbal
Descrição: Disseminada um pouco por toda a região sul e pela região centro litoral o Castelão deu durante anos contributo a bons vinhos de corte. Porém quando vinificado a solo por mãos cuidadas consegue fazer alguns dos melhores vinhos monovarietais do país, especialmente nos solos arenosos pobres em matéria orgânica de Pegões e Palmela. Aromas de ameixa e fruta em passa conjugados com taninos maduros tornam os vinhos bastante apelativos.  


Sugestão: António Saramago Colheita. Com mais de 50 anos de carreira um dos enólogos mais experientes de Portugal oferece-nos este primoroso exemplo da casta. A densidade e concentração são impressionantes para um vinho desta gama e a capacidade de evolução em garrafa é um bonus a assinalar. Tempere a grelhada mista, acenda o fogareiro e veja a garrafa ficar vazia sem esforço num almoço com companhia. 

Casta: Touriga Nacional 
Principal Região: Dão
Descrição: Durante décadas pouco utilizada pela sua fraca produção face a outras castas a Touriga Nacional é hoje o porta estandarte das castas portuguesas tintas. Amiga do produtor na vinha e consistente em qualidade na adega é hoje plantada de Norte a Sul, de Este a Oeste e utilizada tanto para vinhos de corte como (cada vez mais) em representação própria. É no entanto no Dão, a sua região de origem que continua a expressar-se com uma finesse difícil de igualar. As amplitudes térmicas desta região de altitude permitem à Touriga Nacional desenvolver uma componente floral de violetas e muitas vezes uma nota inconfundível a bergamota, conjugadas com os habituais aromas a mirtilo e amora. Se não for tratada com cuidado pode conduzir a vinhos excessivamente taninosos e duros quando jovens, mas é certamente a estrela mais brilhante na constelação de castas do nosso país.     


Sugestão: Quinta de Saes Caniças. Tudo o que uma Touriga Nacional do Dão deve ser. Elegante, aromática, feminina e com carisma para dar e vender. Não se poderia esperar menos do mestre Álvaro de Castro. Taninos sedosos, muita frescura e corpo médio. As conjugações gastronómicas possíveis são variadas mas talvez as ideais sejam um prato de bacalhau no forno ou algo no tacho feito com enchidos regionais.  

Casta: Vinhão
Principal Região: Vinhos Verdes
Descrição: De longe a casta menos consensual apresentada neste artigo. Importante também nos "blends" do Douro em que contribuí com cor, acidez e aroma toma o centro do palco sozinha muitas vezes na região de Vinhos Verdes. Apesar das agradáveis notas de frutos do bosque que a caracterizam, a acidez descontrolada e um amargor latente de final de boca presentes em muitos exemplos da casta Vinhão tornam-na numa artista de pouco público. Ainda assim considero que possui um perfil diferenciado e inexistente em qualquer outra variedade de uva, portuguesa ou mundial, e um potencial à mesa injustamente ignorado por muita gente. Hoje em dia é servida num perfil mais domado, por produtores que desejam vê-la voltar às graças de tempos melhores. 


Sugestão: Anselmo Mendes Vinhão. O "Senhor Alvarinho" apresenta aqui um Vinhão que alia a tradição à modernidade. Taninos sob controlo, acidez alta, personalidade forte mas sem assustar ninguém. Lampreia seria a companhia óbvia mas pratos com molho à base de tomate também não são de descartar. 

Como nota final gostaria de comunicar que apesar destes vinhos serem um excelente cartão de visita para as 5 castas que os compõem, cabe ao enófilo continuar a viagem, pois cada casta é um mundo novo.
 A variedade das mesmas por mais extensa que seja é minúscula comparada com a variedade de terroirs, produtores e estilos que fazem delas o que são. Portanto em vez de imediatamente colocar algumas castas na sua "lista negra" e de compor o seu pódio pessoal com outras tente provar, provar e provar outra vez. 
Porque não há castas boas ou más e há sempre uma nova casta a descobrir. 

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