Ultima década em vinho [Portugal]
09:53:00
A última década, de vinhos, em Portugal foi marcada por anos bons e menos bons.
Aspectos que influenciam a qualidade da uva e por consequência o seu produto final (o Vinho).
Tiago Simões volta a escrever uma rubrica, muito interessante, descrevendo a última década, ano a ano, com conhecimento reconhecido e comprovado:
O ano de colheita, para muitos apenas mais uma informação periférica no rótulo de um vinho. Porém cada vez mais na cabeça de cada enófilo surgem as seguintes questões: "Será que o ano têm influência na qualidade do vinho que estou a beber?" e "Quais são os melhores anos para adquirir?". A primeira pergunta tem uma resposta clara e consensual. Claro que tem. O vinho tratando-se de um produto (relativamente) natural está dependente da qualidade da matéria prima que chega à adega no final de cada ciclo de maturação da uva. Essa é de resto uma das características que torna o vinho num produto tão diferenciado. Se vamos ao supermercado comprar uma garrafa do nosso refrigerante predileto o produto adquirido deverá (em regra) obedecer a padrões bastantes restritos tornando a experiência de degustação num ato bastante consistente.
No mundo do vinho não é bem assim (apesar dos esforços por parte de muitos produtores em contrariar essa variação). Em primeiro lugar as condições climatéricas próprias de cada ano têm uma influência drástica no estado das uvas. Os viticultores e enólogos possuem uma liberdade de escolha no que toca ao tratamento e utilização das videiras/uvas mas deverão (ou melhor deveriam) sempre basear essas escolhas em características dependentes de fatores referentes aos anos de colheita respectivos, os quais são demasiado vastos para enumerar aqui. Já à segunda pergunta não podemos dar uma resposta mais fidedigna que a seguinte: depende. Haverá vinhos bons de anos considerados difíceis para a sua produção? Sem dúvida, assim como haverá vinhos maus de anos excepcionais. Há demasiados fatores a contribuir para essa apreciação. No entanto tentarei fazer o meu melhor para descrever e classificar os últimos anos no que toca à produção de bom vinho em Portugal de uma forma abreviada, portanto prepare-se para uma viagem de generalizações.
2010 "O Esquecido"
Passados todos estes anos quem ainda se lembra dos vinhos da colheita de 2010? Provavelmente poucos de nós. Caracterizado por uma temporada de crescimento longa mas relativamente amena este ano deu-nos no geral vinhos equilibrados mas pouco carismáticos. Talvez por nascer numa época em que ainda se dava demasiado valor ao poder e à concentração sinto que muitos produtores não souberam trabalhar os mostos como eles mereciam. Existem algumas "pérolas" com excelente potencial mas no geral um ano mediano.
Quando se fala em grandes anos para o vinho português nas últimas décadas o brilhante ano de 2011 será certamente aquele que mais vezes entra na conversa. Sobrevalorizado? Um pouco. Mas ninguém pode negar que as excelentes condições durante a época de maturação deram aos produtores a oportunidade de fazer vinhos complexos, estruturados e memoráveis. Quem não fez bom vinho em 2011 não o fez ou porque não quis ou porque não o sabe fazer.
2012 "O Subvalorizado"
Quando os vinhos da colheita de 2012 chegaram às prateleiras muitos dos enófilos não estavam muito entusiasmados. A maior parte ainda estava a sofrer de uma terrível "febre dos 2011" e o facto dos vinhos de 2012 se apresentarem pouco expressivos na sua juventude não ajudou. A verdade é que passados quase 8 anos verificamos que a magia do tempo lhes fez maravilhas e muitos deles estão neste momento num ponto ainda melhor que os seus semelhantes da colheita anterior. Continuam a ser vinhos mais difíceis que exigem do enófilo alguma paciência. Mas estou certo que nos continuarão a proporcionar grandes surpresas num futuro próximo e num futuro não tão próximo.
O que dizer dos vinhos da colheita de 2013? Complexidade? No geral não muita. Capacidade de envelhecimento? Pouca, quando comparada à dos vinhos dos dois anos que a antecederam. Mas o prazer está lá e nenhuma colheita representa a ideologia "O vinho é para ser bebido" nos últimos anos como a de 2013. Vinhos fáceis e diretos com uma assinalável "drinkability".
2014 "O desprezado"
Ao se perguntar aos produtores qual foi o seu ano preferido para produzir vinho nesta última década as possibilidades de resposta são algo variáveis. Já no que toca ao ano mais complicado muitos responderão que foi 2014. Condições adversas na vinha levaram a vinhos desequilibrados na adega. Muitos deles sofrem de um problema recorrente de sobreposição do álcool em relação às outras componentes. Para quem liga a estilos mais poderosos e exuberantes de vinho poderão haver algumas gemas escondidas nesta colheita. Mas no geral penso que estamos perante um ano mediocre.
2015 "O Prodígio"
Um ano bastante quente. Deveria produzir vinhos pastosos certo? Errado. A grande diferença esteve na abundante quantidade de água presente no solo, derivada da boa pluviosidade nos meses de Inverno e de Primavera. Mostos bastante equilibrados deram origem a muitos dos melhores vinhos da década que muitas vezes aliam uma componente aromática extraordinária a uma sensação de elegância tangível. Quanto a mim a estrela dos últimos 10 anos.
Neste fase é difícil avaliar os vinhos de 2016. Grande parte ainda estão demasiado fechados para demonstrar o potencial que lhes foi adivinhado. Ainda assim muitos deles demonstram todas as peças necessárias para uma vida longeva e promissora. Poucos têm dúvidas que estamos perante um grande ano. Quão grande será? O futuro nos dirá.
2017 "O Musculado"
Muitas vezes é difícil conjugar a capacidade que um vinho tem para envelhecer em garrafa com a sua capacidade de ser consensual e domado ainda em juventude. 2017 deu-nos isso. Vinhos que querem conversar conosco mas que têm discurso para muitos e largos anos. A concentração, a exuberância (e alguma falta de acidez talvez devido ao ano quente e seco) dos mesmos pode afastar os consumidores amantes de vinhos mais subtis e introvertidos mas a qualidade é inegável.
Será justo avaliar a qualidade geral dos vinhos de 2018 e de 2019 quando a maior parte está em garrafa há tão pouco tempo e quando muitos ainda nem sequer foram lançados? Penso que não. Há um historial claro de problemas na vinha. Muitos produtores viram a sua produção ser reduzida devido a problemas climatéricos e catástrofes localizadas. A esperança é que tal funcione como uma espécie de "seleção natural" permitindo aos produtores focarem-se não na quantidade mas na qualidade do vinho produzido. Tenho as minhas dúvidas e acho precoce pensar dessa forma.
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